quinta-feira, 7 de abril de 2011

Tsunamis: Ou, Por que Eu Não Sou Mais Calvinista

 Kyle Roberts



 Os tsunamis são ordenados por Deus? Ou há um jeito melhor de pensar no sofrimento natural? A resposta se encontra na liberdade dada à criação e no mundo natural.



 Eu era um calvinista.



 Todavia, havia coisas no Calvinismo como um sistema teológico com as quais eu nunca concordei. Eu tinha dificuldade em aceitar a “providência meticulosa”, a ideia que Deus planeja que todos os acontecimentos aconteçam da forma específica que eles acontecem. Uma analogia comum para este ponto de vista da soberania de Deus sobre a história é “Deus como um autor”. Deus escreve a narrativa da história criacional. Todo acontecimento, grande ou pequeno, feliz ou terrível, é incluído nessa narrativa por um propósito específico – todos eles servem à glória de Deus e ao bem-estar dos eleitos.



 Mas é aqui que mora o problema: Não dá para concordar com uma teologia que insiste que tsunamis e outros desastres foram intencional e especificamente pretendidos por Deus acontecer exatamente como eles acontecem por uma razão individual e particular.



 Muitos calvinistas acham consolo na convicção de que Deus tem controle absoluto de cada aspecto da vida. Alguns argumentam que se Deus não estivesse meticulosamente dirigindo os tempos difíceis, incluindo tragédias nacionais e catástrofes globais, por que deveríamos esperar que ele dirigisse os bons momentos? Este é um ponto justo. Se Deus não estivesse “no controle” do tsunami, por que deveríamos supor que ele estivesse no controle da incerteza do nascimento de uma criança ou de uma árdua e frustrante procura de emprego? É tudo ou nada. Correto?



 Será mesmo? A providência somente conta se Deus for um micro-gerenciador? Deus pode ser um micro-gerenciador e ainda ser soberano sobre o presente e o futuro? Deus pode estar no comando do todo mas não no controle de cada detalhe? Creio que sim. E penso que este é o tema geral do testemunho escriturístico.



 Há uma diferença significativa entre a vontade permissiva de Deus (aquela que ele permite acontecer ainda que não queira ou pretende ativamente) e a vontade determinadora (aquela que ele ativamente deseja, com isso assegurando que aconteça exatamente como acontece por uma razão específica). Esta linha divide o arminiano do calvinista – pelo menos na questão da providência. David Bentley Hart, em The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami?, sugere que esta distinção permite a realidade do sofrimento inexplicável, o tipo que não é nem divinamente intencionado nem propositado. Sofrimento aparentemente sem sentido pode na verdade ser sem sentido; isto é, ele pode não ter nenhuma referência direta a algum propósito divino específico, imediato ou alguma explicação que faz valer a pena a dor.



 Mas mais pode ser dito sobre os desastres naturais além de que eles não são divinamente pretendidos para propósitos específicos?



 Terence Fretheim, em Creation Untamed: The Bible, God and Natural Disasters, sugere que uma explicação correta dos desastres naturais e o sofrimento que eles causam pode ser encontrada em uma teologia bíblica adequada da criação. Gênesis nos conta que Deus criou o mundo bom – não perfeito ou completo. Os elementos da criação carregavam dentro de si mesmos a liberdade e a responsabilidade para continuar o processo da criação – embora não à parte do envolvimento contínuo e providencial de Deus. Liberdade, caos e até os desastres naturais estão incrustados na própria trama da vida. Com a vida vem a morte. Com a alegria vem a dor. A terra gira, placas tectônicas se deslocam e a história do mundo segue em frente. Junto com a beleza, a majestade e o mistério da vida, há dor, morte e tragédia. No meio disto, Deus não está distante, afastado ou impassível, mas envolvido, interessado e empático. De fato, ele mesmo participa, unindo-se à própria criação através da encarnação do Filho e da presença constante do Espírito.



 Com o ato inicial de Deus da criação, teologicamente descrita em Gn 1-2, ele continua a criar através das “capacidades criativas daquilo que não é Deus” (19). Ele introduz liberdade dentro dos processos da vida para os seres criados continuarem o processo da criação, embora sob a supervisão última de Deus. A natureza não é um produto acabado mas um processo dinâmico, “caracterizado por uma notável irrestringibilidade” (17), no qual até a terra e a água estão envolvidas como sujeito e objeto nesta criação contínua.



 Segundo esse modelo, o teólogo e cientista John Polkinghorne tem argumentado em favor do ponto de vista do “processo livre” da providência de Deus. Assim como os humanos são livres para escolher suas ações, da mesma forma Deus introduziu liberdade dentro da própria trama da criação. A física quântica confirma um tipo de indeterminação, abertura e possibilidade no próprio nível fundamental da realidade natural. Isto tudo implica que o caos e o perigo necessariamente acompanham a ordem e a beleza do mundo natural enquanto ele se desenrola através da história.



 O resultado desta dinânima, interdependente e contínua criação é um mundo geralmente imprevisível e desordenado, vulnerável à realidade do sofrimento e da morte. O sofrimento “natural” (ou moralmente neutro), tais como aqueles causados por tsunamis, tornados e terremotos, é regularmente intensificado pela interação e dinâmica do mal moral humano. Quando as sociedades mostram pouca ou nenhuma preocupação com os pobres que vivem – geralmente en masse – em abrigos inadequadamente construídos e estruturados, um desastre natural como um terremoto ou tsunami pode ter efeitos tragicamente devastadores. (Para uma exposição convincente deste ponto, veja Where is God? Earthquake, Terrorism, Barbarity and Hope, de Jon Sobrino.)



 A disparidade econômica pode ajudar a explicar a diferença na extensão da devastação e da perda de vida entre os desastres naturais em contextos de terceiro mundo (ou mundo em desenvolvimento) e aqueles em sociedades industrializadas, de primeiro mundo. Incontáveis pessoas estão vulneráveis a desastres de proporções inconcebivelmente trágicas simplesmente porque são pobres. Obviamente, a prosperidade e a tecnologia não exclui incomensuravelmente o sofrimento trágico também. Para isto precisamos somente testemunhar a possibilidade de consequências devastadoras e difundidas devido ao potencial desastre nuclear do Japão.



 Há uma importante consideração teológica aqui que devemos explicitar. Muitos teólogos de tendência arminiana que foram existencialmente e teologicamente perturbados pelo problema do mal e sofrimento sentiram necessidade de negar o preconhecimento de Deus dos eventos futuros a fim de manter a genuína liberdade e absolver Deus da responsabilidade pelo sofrimento do mundo. Tanto Fretheim quanto Polkinghorne, por exemplo, são “teístas abertos” que creem que um futuro verdadeiramente aberto implica que pode não haver (logicamente falando) nenhum conhecimento anterior dele – até mesmo por Deus.



 Mas não é necessário pegar esta rota. Um arminiano clássico pode opor dizendo que o preconhecimento de Deus do futuro não implica a sua causalidade. Só porque Deus pode ter conhecido o que vai acontecer não necessita que ele tenha causado, determinado ou ordenado. Não há nenhum elo causal necessário entre o preconhecimento de um evento e o próprio evento. Obviamente, alguém pode ainda querer saber por que, se Deus sabia, ele não interferiu? Assumindo que Deus sabia que o Japão iria ser engolfado, ele não poderia ter interferido? Por que então ele não interferiu? Ou, numa escala maior, se Deus sabia que o mundo que ele criaria conteria tsunamis e terremotos, por que ele não tomou um caminho diferente? Por que não por limites no sofrimento natural mais do que ele aparentemente tem colocado?



 Seguramente, em um nível nós podemos admitir que Deus poderia ter interferido. Na verdade, quem sabe com que frequência – e de que maneira – Deus interfere? Talvez ele poderia ter milagrosamente impedido o terremoto, em primeiro lugar, ou contido as águas subsequentemente. Mas ele faria isto toda vez? Se sim, por quê? Sobre qual base esperaríamos que estas ponderações fossem feitas? Por qual critério? Que Deus nunca permitiria que experimentássemos dificuldade, tragédia e morte? Isso certamente seria um mundo bem diferente do que este que atualmente habitamos. Nossa esperança encontra-se na promessa de Deus de restaurar, renovar, ou completamente recriar este mundo quando fizer vir o próximo. Mas é razoável supor que nosso mundo presente, com sua liberdade, mistério e tragédia embutidos fornece ocasiões para a fé em Deus, esperança em suas promessas e amor por aqueles que ele criou.



 É prudente reconhecer o fato que o mundo em que vivemos é ao mesmo tempo perigoso e misterioso, belo e trágico. Mas não temos que supor, mesmo em princípio – mesmo se somos ou não cuidadosos em não fornecer motivações ou intenções divinas – que há uma propósito divino particular, “meticuloso”, para cada tragédia. Elas são parte do mundo em que vivemos. É um mundo belo, mas é também um mundo arruinado e caído, um que aguarda a sua liberação final.






 Tradução: Paulo Cesar Antunes

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