quinta-feira, 17 de março de 2011

Predestinação

Escrito por: Paulo Roberto Rückert


ImageOs Presbiterianos são herdeiros da Reforma Protestante do século XVI. Sempre de novo precisamos salientar que a Reforma tinha um objetivo primordial: a divulgação e a vivência da fé cristã, tendo como base a Sagrada Escritura.
Mas para compreendermos a Bíblia, precisamos ter um método de interpretação. Na falta de um método, as pessoas podem chegar a conclusões até antagônicas ao Evangelho. Como a defesa da pena de morte e a preservação de injustiças sociais. 
Qual foi o método que a Reforma propôs para a interpretação da Bíblia?
Os Reformadores declararam que a Bíblia toda deve ser interpretada a partir da obra de Jesus Cristo. Eles elaboraram uma teologia cristocêntrica.
O mistério central da mensagem cristã é o fato de Deus ter se tornado um ser humano em Jesus de Nazaré. Este homem da Galiléia viveu aproximadamente 33 anos aqui na Terra, mas o Cristo de Deus - o Verbo divino - já existe desde sempre junto ao Pai. Para uma melhor compreensão da pré-existência de Cristo, devemos ler João 1:1-14: Colossenses 1:15-20; Efésios 1:3-14 e Filipenses 1:5-11.
Calvino aplicou o principio cristológico para a interpretação da Bíblia e descobriu que o ser humano é salvo mediante a graça de Deus. Mas ao formular a doutrina da predestinação, Calvino não aplicou o método cristocêntrico. E desenvolveu uma doutrina sombria, com resultados fatalistas. A ortodoxia calvinista foi mais longe ainda: confundiu predestinação com predeterminismo. Com este raciocínio, até Deus ficaria aprisionado ao seu próprio decreto! A ortodoxia calvinista confundiu o símbolo religioso da predestinação com a causalidade mecânica.
Sabemos quantos tormentos esta doutrina já provocou em consciências atribuladas.
Mas Deus providenciou um teólogo, que soube interpretar a predestinação com a única chave que abre a Bíblia: Jesus Cristo. O teólogo Karl Barth aplicou o principio cristológico em toda a dimensão. E salientou que tudo foi realizado em Cristo, também a predestinação.
Observemos as formulações teológicas de Karl Barth:
Jesus Cristo pré-existente é Deus-Homem e é, ao mesmo tempo, o Homem-Eleito.
Assim como a nossa ressurreição acontece em Cristo, que é ?as primícias dos que dormem? (1 Co 15:20), também a predestinação se realiza nele (Ef 1:4). Somos predesti-nados para sermos ?conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.? (Rm 8:30)
Na condição de Deus-Homem, Jesus Cristo é o Deus que elege e é, ao mesmo tempo, o Homem-Eleito.
Desde sempre Deus decidiu compartilhar a sua vida conosco. E, neste eterno propósito divino, que antecede à criação do mundo. o Pai celestial nos predestinou para estarmos junto dele Tudo isto aconteceu em Cristo
A eleição é a manifestação da livre graça de Deus.
Desde toda a eternidade, Deus resolveu assumir a existência humana. Deus escolheu o destino humano para si mesmo. A eleição esta totalmente centrada em Cristo.
Acontece que a eleição de Jesus Cristo aconteceu para o sofrimento e a morte (At
2:23) Jesus veio para ouvir o não de Deus Ele experimentou a rejeição em nosso lugar
Deus elegeu o ser humano Mas reservou para si mesmo a rejeição, a condenação e a morte
Cristo é o único eleito e também o único ser humano rejeitado. Ocorreu uma troca entre Deus
e o ser humano. Em Jesus ocorreu a dupla predestinação: ele foi eleito e foi rejeitado.
Através da obra de Cristo nós podemos ver a nossa rejeição anulada! ?Somente onde a vemos anulada é que a vemos realmente?. (Barth)
Em Jesus Cristo está decidida a nossa eleição. Crer em Jesus significa ser eleito nele.
A missão de Jesus ultrapassou o seu destino pessoal. A decisão, que Deus tomou ?de uma vez por todas em Jesus Cristo é a predeterminação de nossa vida.? (Barth)
Ao reconhecermos nossa eleição em Cristo, também podemos viver confiantes no futuro. Aquele que já atuou por nós antes dos tempos eternos, também estará conosco no futuro!
?Nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus?. (Rm 8:1)



TEXTO COMPLETO

PREDESTINAÇÃO



SUMÁRIO

Introdução

1. A DOUTRINA CLÁSSICA
1.1 Agostinho
1.2 John Wycliff
1.3 Lutero
1.4 Zwínglio
1.5 Calvino e a Ortodoxia
1.6 Whitefield e os metodistas
1.7 Schleiermacher
1.8 Walther e os Luteranos

2. A REVIRAVOLTA DE KARL BARTH
2.1 Deus-Homem / Homem-Eleito
2.2 A Livre Graça de Deus
2.3 O Desígnio Eterno de Deus
2.4 A Dupla Predestinação em Cristo
2.5 Jesus Cumpriu o Desígnio Divino
2.6 Deus Ama em Liberdade!


INTRODUÇÃO
Por que nem todas as pessoas recebem a mesma oportunidade para aceitar ou recusar a mensagem do Evangelho?
Por que a maioria das pessoas continua alheia ao Evangelho e à sua oferta de redenção em Cristo?
Observamos que o princípio da vida é muito mais seletivo do que igualitário.
A maioria dos grandes nomes da história da religião se ocuparam com esta questão e até aderiram à predestinação. Observemos a mensagem de Isaías, Jesus, Paulo de Tarso, Agostinho, Lutero, Zwínglio e Calvino.
Aqueles teólogos que evitaram este tema, acabaram enfatizando uma interpretação moralista do cristianismo.
Se negamos a predestinação, então estamos rechaçando as personalidades religiosas mais importantes juntamente com a sua elaboração teológica.



1. A DOUTRINA CLÁSSICA
A doutrina da predestinação não foi desenvolvida nos primeiros três séculos da era cristã. Somente a partir de Agostinho é que a doutrina passou a ser exposta de um modo sistemático.
Mesmo sem desenvolver uma doutrina da predestinação, os Pais da Igreja se ocuparam com a relação entre a onisciência de Deus e a liberdade humana. Se todos os conhecimentos já são previamente conhecidos por Deus, como se expressa a vontade humana?

O teólogo IRINEU, que nasceu no ano 142, interpretou o endurecimento do coração de Faraó diante das evidências manifestadas por Deus.

ORÍGENES (185 a 254) viu a dificuldade para se compreender o agir de Deus diante daquilo que ele antevê como já realizado.

CIRILO DE JERUSALÉM viveu por volta de 360 e analisou 2 Co 4:4, concluindo que a graça divina nos é subtraída quando nós nos decidimos pelo mal. Não existe coação para sermos salvos. Nós tomamos decisões pela nossa livre vontade. Isto significa que nós também não somos compelidos para a perdição.
Com base em Rm 9:11-24, JOÃO CRISÓSTOMO (falecido em 407) observou que Deus tem conhecimento antecipado dos acontecimentos.

1.1 AGOSTINHO (354 - 430)
A tensão entre o pensamento de Agostinho e de Aristóteles é o motor fundamental da história do pensamento medieval.
A respeito da doutrina da predestinação, Agostinho precisa ser avaliado a partir da controvérsia que sustentou com Pelágio. Estes dois pensadores travaram uma discussão a respeito do conceito de liberdade.
Pelágio não admitia a idéia de um pecado hereditário. Declarava que o pecado de Adão diz respeito somente a ele. Nossa morte é apenas um processo natural, sem vinculação com alguma queda espiritual. Nós mesmos praticamos o bem ou o mal, sem que isto nos sobrevenha.
Agostinho viu um perigo muito grande na liberdade. E desenvolveu a doutrina da adjutorium gratiae - o auxílio da graça, que foi concedido a Adão antes da queda. Isto significa que a natureza humana não pode ser boa por si mesma.
O pecado é o afastamento de Deus e o único remédio é regressar ao Criador. O orgulho leva a pessoa a se separar de Deus. E a conseqüência é a concupiscência - o desejo infinito nunca satisfeito.
Todos nós existimos potencialmente em Adão, tornando-nos culpados. Perdemos a possibilidade de nos dirigir ao bem último. A pecaminosidade é universal.
A humanidade toda está decaída - é uma "massa de perdição".
As pessoas não são livres. Pela sua natureza, precisam pecar.
Para substituir os anjos decaídos, Deus escolheu um determinado número de pessoas para a salvação. A quantidade de pessoas é reduzida, fixa e imutável. Essas pessoas receberam a gratia data.
Deus chama, justifica e fortalece essas pessoas com sua graça, para serem santas e irrepreensíveis. Também lhes presenteia a persistência e, por fim, glorifica-as no céu.
Deus escolhe e rejeita "de acordo com o sábio e secreto beneplácito de sua vontade."
"Ele nos elegeu, não porque somos santos, mas para que cheguemos a sê-lo."
A graça é irresistível. Os predestinados não são capazes de voltar a cair.
A vontade de Deus - na predestinação - é incognoscível.
As demais pessoas são entregues ao seu justo destino: o castigo eterno.
Nenhum ser humano tem mérito algum diante de Deus. Ninguém tem o direito de reivindicar a eleição. Por isso, não há injustiça alguma para com aqueles que não são eleitos.
Agostinho também se preocupou com a relação entre eleição divina e liberdade humana. Mas não conseguiu responder adequadamente esta questão.
Quanto ao mal existente no mundo, declarou que o mesmo se constitui na ausência do bem.
"Pois Deus cumpre sua vontade justa através das vontades más dos homens perversos."
Mesmo considerando Agostinho um dos maiores mestres, a Igreja nunca aceitou totalmente sua doutrina da predestinação. Procurou uma atitude intermediária entre Pelágio e a rígida predestinação.
A partir das reflexões de Agostinho, a teologia do Ocidente desenvolveu a doutrina da predestinação com estes quatro enfoques:
1. A predestinação é dupla: é eleição e rejeição.
2. Ela está em vigor desde a fundação do mundo.
3. A graça de Deus é irresistível e ela chega ao seu alvo, aconteça o que acontecer.
4. A eleição é resultante da misericórdia de Deus; a rejeição, de sua justiça.

1.2 JOHN WYCLIFF (1328 - 1384)
Na época, a Inglaterra estava resistindo à interferência do papa. Wycliff era o homem mais culto e mais destacado da Universidade de Oxford. Escreveu muitos tratados, atacando o sistema da igreja medieval e também doutrinas, como a da transubstanciação. Empreendeu a tradução da Bíblia a partir da Vulgata para o inglês. Organizou a ordem dos "sacerdotes pobres", conhecidos como os Irmãos Lollardos. Seu único princípio é a Sagrada Escritura. Declarou que a verdadeira igreja é a communio praedestinatorum - a comunhão dos predestinados, que tem Cristo como cabeça. Sua obra principal é o Trialogus.
As idéias reformistas de Wycliff foram defendidas por JOÃO HUSS (1369 - 1412), um homem muito culto, que exercia poderosa influência na Universidade de Praga. Declarou que o Novo Testamento é suficiente para orientar a Igreja. O papa só deve ser obedecido se suas ordens coincidirem com a lei divina. Foi excomungado e condenado à fogueira, em Constança, onde sofreu o martírio. Desencadeou-se então a revolta dos boêmios.

1.3 LUTERO (1483 - 1546)
As idéias fundamentais da teologia de Lutero foram formuladas pela primeira vez por Phillip Melanchton, em dezembro de 1521. Em Wittenberg, Melanchton redigiu o livreto Loci communes, apresentando uma dogmática inicial do pensamento da Reforma. Esta obra reporta-se desta maneira à doutrina da predestinação: "Omnia, quae eveniunt, necessario iuxta divinam praedestinationem eveniunt, nulla est voluntaris nostrae libertas."
Em 1527, Melanchton amenizou o caráter rude e determinista da doutrina da predestinação. Mais tarde, ele até combateu a doutrina.
Respondendo ao filósofo humanista Erasmo, que no outono de 1524 escrevera Diatribe de livre arbitrio, Lutero escreveu em dezembro de 1525 o livrete De servo arbitrio - A escravidão da vontade. O escrito é rude e fortemente marcado pela idéia da predestinação. Faz distinção entre o Deus absconditus e o Deus revelatus. E ressalta o desígnio de Deus, que antecede a toda a história.
Erasmo entendia que o homem é livre para se aproximar de Deus, podendo inclusive cooperar para alcançar sua salvação. Lutero declarou que isto é impossível e falou de uma "vontade escrava". Somente aquele que possui uma vontade livre, pode ter uma vontade escravizada pelas forças demoníacas.
Em sua preleção sobre a carta aos Romanos e no prefácio ao comentário, Lutero também se referiu ao tema.
Antes de descobrir a justificação pela fé - com base em Rm 1:17 - Lutero chegou a se contar entre os condenados.
A igreja realçava um valor automático dos sacramentos. Mas mesmo após a participação nos sacramentos, Lutero sentia-se oprimido. Questionava a sinceridade de seu arrependimento. O mais terrível é que a Bíblia não podia ajudá-lo. O que é que a igreja havia feito da Bíblia? A "Boa Nova" de Deus havia sido transformado em "Lei". Lutero só via exigências na Bíblia. E então ele começou a odiar a Deus. Chegou ao desespero, considerando-se predestinado para a perdição. As palavras "justiça de Deus" eram um verdadeiro horror para Lutero. Até que ele se deparou com Rm 1:17 e descobriu que o justo vive pela fé. A justiça de Deus não significa a destruição do pecador, mas a sua justificação através de Jesus Cristo! Ali onde os homens fracassam, Deus os declara justos pela fé em Cristo!
Mais tarde, a Confissão de Augsburgo rejeitou, em seu artigo XVIII, qualquer determinismo.
A Fórmula de Concórdia declara, em seu artigo XI, que a predestinação só se aplica aos que crêem. Ela é o fundamento de nossa bem-aventurança. É a expressão do Evangelho, sendo um consolo para as consciências atemorizadas.

1.4 ZUÍNGLIO (1484 - 1531)
O ponto central da teologia de Zuínglio é a doutrina da predestinação.
A Reforma suíça é uma síntese entre teologia reformadora e humanismo. O conceito de Deus foi derivado da filosofia de Platão. Deus é um poder dinâmico universal, que atua em todas as coisas. Deus age através de uma lei natural.
Deus mantém uma relação direta com o mundo. Tudo acontece mediante a vontade de Deus. Somente Deus é a causa primária de todos os acontecimentos. Ao criar a humanidade, Deus sabia que algumas pessoas viriam a cair. Além de saber, ele também decretou a queda.
Zuínglio salienta que Deus desejou o pecado, para castigar os culpados e manifestar assim a sua justiça em toda sua glória. Deus quis estabelecer um contraste entre a justiça e a injustiça.
A salvação dos homens está baseada unicamente na eleição divina.
O Espírito atua de maneira direta na alma humana. E pode atuar também em pessoas de outras religiões e em filósofos humanistas. Também os grandes líderes pagãos são predestinados para a bem-aventurança.
Já que o pecado corrompe o mundo, Zuínglio se sentiu chamado a um engajamento e passou a participar na atividade política. Era membro do Conselho de Zurique.
O Evangelho é uma nova lei, que é válida para a vida moral e também para o Estado - a esfera política.
Zuínglio defendeu um determinismo racional.

1.5 CALVINO (1509 - 1564)
No entender de Calvino, a doutrina central do cristianismo é a da majestade de Deus. E a miséria humana precisa se defrontar com a majestade divina.
O fim último de toda a realidade é a auto-glorificação de Deus. Tanto a bem-aventurança dos redimidos, quanto o inferno para os condenados têm em vista um só objetivo: a glória e a majestade de Deus. Este criou o bem como o mal, a fim de evidenciar sua honra divina.
Calvino desenvolveu a doutrina da predestinação em sua obra Institutio Religionis Christianae, livro III, Capítulos XXI a XXIV. Na primeira edição, a doutrina ainda não estava desenvolvida. Somente em edições posteriores é que a mesma assumiu um papel preponderante. Calvino desenvolveu a doutrina da predestinação no final do terceiro livro, antes de abordar a cristologia. Neste contexto, onde é abordada a vida cristã, o Reformador analisou a predestinação como uma doutrina prática, que serve de base para a cristologia. A doutrina também foi explanada no escrito De aeterna Dei praedestinatione.
A predestinação é o decreto eterno de Deus, através do qual ele determinou o que haveria de acontecer com cada ser humano. O decreto da eleição é soberano e não depende de qualquer ação humana realizada no passado, no presente e no futuro. É uma decisão livre e independente de Deus. O decreto divino é mistério absoluto. A vontade de Deus é irracional. Deus é inalcançável.
"Chamamos predestinação o eterno decreto de Deus, pelo qual ele quer o que haverá de acontecer a cada homem. Pois, não são criados todos em igual condição; pelo contrário, a uns é preordenada a vida eterna, a outros a eterna perdição. Portanto, cada qual foi criado para um ou outro desses dois fins, e assim o declaramos predestinado ou para a vida ou para a morte." Calvino também salienta que este desígnio divino não depende de nós. "Este desígnio, no que respeita aos eleitos, afirmamos haver-se fundamentado em sua graciosa misericórdia, sem nenhuma consideração a algum mérito humano; aqueles porém que são condenados à perdição, isto lhes acontece na verdade pelo seu juízo justo e irrepreensível, ainda que incompreensível, pois o acesso à vida lhes é embargado."
O homem mau segue a vontade de Deus, apesar de não obedecer aos mandamentos. Deus atua em tudo o que acontece.
Deus decidiu rejeitar alguns, não lhes concedendo a oportunidade de ouvir o Evangelho. Mas, caso venham a ouvir o Evangelho, seus corações estão endurecidos. De um modo misterioso, a condenação dos rejeitados é justa. E sua condenação contribui para a glória de Deus.
Já que todos os acontecimentos têm como objetivo único a glória de Deus, então seria Deus a causa do mal existente no mundo?
Com relação ao mal, Calvino apresentou três argumentações:
1) O mal natural é uma conseqüência da distorção da natureza.
2) O mal é uma forma de levar os eleitos a Deus.
3) O mal é uma forma de mostrar a santidade de Deus.
Deus criou homens maus para castigá-los e para salvar outros, apesar de sua natureza perversa.
Os atos perversos de Satanás e dos homens maus estão determinados pelo desígnio de Deus. A queda de Adão esteve inserida nos planos de Deus.
Calvino declarou que o mundo é "o teatro da glória divina".
"...nossa salvação flui da fonte da misericórdia livre de Deus até que conheçamos sua eleição eterna."
Deus decreta a predestinação através da liberdade finita do homem. Calvino falou muito pouco a respeito do amor de Deus.
A predestinação torna a salvação independente de nossas oscilações humanas e pessoais. Nossa fé na providência divina nos liberta da ansiedade e das preocupações.
A certeza da salvação está baseada unicamente em Cristo.
Mas a pessoa pode possuir sinais da predestinação em sua vida. E assim pode se assegurar de sua condição de eleito. Estes sinais são:
1) A relação interior com Deus através da fé.
2) Uma vida abençoada, cujo padrão é o burguês industrial.
Calvino viveu numa época de catástrofes, epidemias e profundas mudanças sociais.
Em janeiro de 1552 a doutrina da predestinação passou a ser reconhecida oficialmente como dogma em Genebra. Foi estabelecido o Consensus Genevensis de aeterna Dei praedestinatione.
Na Itália, as idéias da Reforma foram divulgadas por Pedro Martyr Vermigli (1499 - 1563). Fundou uma escola em Lucca, estudando a Bíblia juntamente com a filosofia de Aristóteles. Desencadeou um debate entre supralapsarismo (o decreto divino aconteceu antes da queda de Adão) e infralapsarismo (o decreto foi estabelecido depois da queda). Com a metodologia de Vermigli, a doutrina da predestinação deixou de ser parte da salvação (como Calvino acentuou), para se tornar parte da doutrina de Deus.
Após a morte de Calvino, o movimento reformista passou a ser liderado por Teodoro Beza (1519 - 1605). Defendeu a idéia de uma expiação limitada, ou seja, Cristo morreu apenas pelos eleitos. Esta mesma posição também era defendida por Jerônimo Zanchi (1516 - 1590). Beza confundiu a predestinação com o predeterminismo, levando assim a doutrina aos seus extremos.
Mas nem todos os seguidores de Calvino levaram a doutrina ao extremo. Zacharias Ursinus (1534 - 1583) viu na predestinação uma experiência de salvação. Ninguém pode ser considerado um rejeitado, pois até no leito da morte alguém ainda pode se converter a Deus. Ursinus foi um dos autores do Catecismo de Heidelberg (1563).
Devemos fazer uma distinção entre Calvino e calvinismo. Em alguns pontos teológicos, a ortodoxia calvinista está mais próxima de Zuínglio do que de Calvino propriamente, principalmente no que diz respeito à doutrina da predestinação. A expressão ?calvinismo? surgiu no século XVI, por ocasião de controvérsia com os luteranos. Os calvinistas passaram então a se auto-denominar de ?reformados?. E desenvolveram confissões de fé, como a galicana, a helvética, a de Westminster e a de Heidelberg. A ortodoxia calvinista deu uma ênfase diferente à doutrina da predestinação, inserindo-a na abordagem do conhecimento, da vontade e do poder de Deus. Com este procedimento, passou-se a confundir predestinação com predeterminismo. A ortodoxia também introduziu a lógica de Aristóteles na elaboração teológica.
Foi no âmbito da teologia reformada que ocorreram as maiores disputas em torno da doutrina da predestinação.
JAKOB ARMINIUS (1560 - 1609), natural de Amsterdam e professor em Leiden, teve uma discussão com FRANZ GOMARUS. Arminius declarou que a sentença divina para a perdição não é bíblica. Gomarus era o representante mais autêntico da ortodoxia. Era defensor do supralapsarismo (o postulado de que o decreto divino foi estabelecido antes da queda de Adão).
Arminius rejeitou o supralapsarismo, pois entendia que esta idéia não está de acordo com o cerne do Evangelho. Observou também que nenhum Concílio e nenhum doutor da Igreja aprovou esta idéia nos primeiros seiscentos anos de cristandade. E a idéia também não está em harmonia com as confissões reformadas. Declarou também que a doutrina do supralapsarismo é uma desonra a Cristo "porque o exclui completamente do decreto que predetermina o fim". Arminius não podia admitir que "os homens foram predestinados a serem salvos, antes que Cristo fosse predeterminado a salvá-los". E enfatiza que o fundamento da eleição é Cristo.
Em 1610, após a morte de Arminius, 44 pregadores da igreja reformada da Holanda escreveram 5 artigos contra a radicalidade da doutrina da predestinação. São estes os artigos:
1. Deus destinou para a bem-aventurança aqueles que crêem.
2. Cristo morreu por todos.
3. A fé salvífica não advém da livre vontade humana, mas de Deus.
4. Esta graça não é irresistível.
5. Fica aberta a questão se os cristãos podem novamente decair.
Estes signatários eram arminianos e foram chamados de "Remonstrantes". Em 1611 surgiram os "Contra-remonstrantes, que eram gomaristas (seguidores de Gomarus). A questão extrapolou o âmbito eclesiástico e foi decidida na esfera política. O Governador-Geral Moritz von Oranion aliou-se de modo surpreendente aos calvinistas ultraconservadores. Com esta manobra, ele aderiu à massa popular e venceu o partido republicano da alta buguesia. 200 pregadores arminiamos foram destituídos de seus cargos e o líder J. van Oldenbarneveldt, com 72 anos, foi executado. O teólogo e filósofo Hugo Grotius foi condenado à reclusão perpétua, mas conseguiu escapar da prisão.
Entre novembro de 1618 e maio de 1619 foi realizado o Sínodo de Dortrecht. As conclusões do Sínodo são estas:
1. Deus não escolhe ex praevisa fide, mas a partir de um decreto eterno.
2. Cristo morreu somente pelos eleitos.
3 e 4. A graça atua de um modo irresistível.
5. Os santos recebem o donum perseverantiae.
O Sínodo também enfatizou que o decreto divino não aconteceu antes da queda de Adão (supralapsário), mas após a queda (infralapsário).
O item 2, que trata da expiação limitada, merece um breve comentário. O que levou um Sínodo à formulação de que Cristo morreu somente pelos eleitos, quando há tantos textos bíblicos afirmando claramente que Cristo morreu por todos? Observemos 1 Jo 2:2; Jo 1;29; 6:51; Rm 14:15; 2 Pd 2:1-3. Acontece que a doutrina da expiação limitada foi formulada com bases filosóficas. A base da argumentação não era a exegese bíblica, mas Aristóteles. A doutrina foi baseada na dicotomia aristotélica entre o real e o possível. O raciocínio era este: se Cristo morreu por todos, mas nem todos são salvos, então Cristo morreu em vão. Esta lógica levava a uma conclusão inadmissível, já que Deus alcança os seus propósitos. O mesmo raciocínio se aplicava ao amor de Deus. Para não concluir que Deus ama em vão, preferiu-se concluir que Deus não ama a todos; seu amor é arbitrário. E assim passou a vigorar um conceito de Deus com base na lógica de Aristóteles: Deus é pura realização; nele não há potencial não realizado.
Mais uma vez o calvinismo se distanciou de Calvino, pois este sabia suportar uma certa tensão em seu sistema teológico. Calvino tinha até aversão à especulação e à dedução, características da lógica aristotélica. Com a introdução da filosofia de Aristóteles na teologia, passou-se a ver Deus como um ser impassível e inescrutável, e não como o Pai que se revelou em Jesus Cristo. Esta nefasta conseqüência perdura entre muitos cristãos até hoje.
O Sínodo não conseguiu reprimir os adversários arminianos, mas prestigiou a dupla predestinação calvinista, amenizando seu rigorismo.
A partir de 1630 os "remonstrantes" passaram a ser tolerados. Desenvolveram uma linha intermediária na Academia Salmurensis.

1.6 Entre os metodistas, a doutrina da predestinação foi adotada por George Whitefield (1714 - 1770). Era um pregador de despertamento, que percorreu a Inglaterra, a Escócia e as colônias norteamericanas. Pronunciou aproximadamente 18.000 prédicas. Sua adesão à doutrina da predestinação levou-o a uma ruptura com John Wesley, em 1741, já que este tinha um pensamento universalista. Entre 1770 e 1777 ouve uma disputa calvinista entre os metodistas. Mas o grupo principal foi se distanciando sempre mais da doutrina da predestinação.

1.7 Com FRIEDRICH SCHLEIERMACHER (1768 - 1834) a doutrina da predestinação foi abordada de um modo diferente. Este teólogo observou que as pessoas são acolhidas de modo desigual na comunhão do Reino de Deus e no plano de redenção. Mas o contraste entre eleição e rejeição só pode ser visto de modo transitório. Não podemos conceber uma rejeição definitiva. Pois uma exclusão definitiva de uma parte da humanidade viria a se constituir em tormento para os redimidos. A diferença entre eleitos e rejeitados é somente relativa.
Toda desiguldade atual é apenas provisória. O empreendimento missionário e a decisão pessoal podem reverter um decreto divino. Schleiermacher falou inclusive de um desenvolvimento espiritual depois da morte. Devemos levar em consideração que Schleiermacher também desenvolveu a doutrina da restauração final de todas as coisas (Apokatástasis). No final dos tempos tudo será restaurado em Deus. Alguns experimentam a redenção de um modo mais rápido, outros se deparam com um crescimento mais vagaroso.

1.8 Entre os luteranos dos EUA destacou-se C.F.W. Walther (1811 - 1887) na defesa da doutrina da predestinação. Walther foi o primeiro presidente da Conferência Sinodal, que agrupava denominações luteranas do oeste americano sob a liderança do Sínodo Missouri. A disputa Walthense foi marcada por muita intransigência e não alcançou resultado.

2. A REVIRAVOLTA DE KARL BARTH (1886 - 1968)
É reconhecido o fato de que Calvino e os demais Reformadores elaboraram uma teologia cristocêntrica. Mas na elaboração da doutrina da predestinação, Calvino não conduziu a reflexão teológica de modo cristocêntrico.
Karl Barth detectou esta questão e deixou a Bíblia falar sobre este assunto. "A eleição de Deus em graça é verdade de revelação. Mais concretamente: ela é verdade de Escritura. E bem concretamente: ela é verdade em Jesus Cristo. Conhecer a ela não será outra coisa, portanto, realmente não poderá ser outra coisa senão determinada forma do conhecimento de Jesus Cristo."
O testemunho da Bíblia levou Barth a rejeitar a fórmula tradicional da predestinação. Em seu labor teológico, Barth precisou afastar-se radicalmente da doutrina de Calvino sobre a predestinação. Ouçamos seu depoimento: "Eleitos em Cristo indica-nos ainda o reconhecimento da eleição a partir da ressurreição de Jesus Cristo. Fico espantado com o fato de que precisamente ao fazer esta reflexão final sobre a fundamentação cristológica da doutrina da predestinação, o quanto vejo, não posso apoiar-me nem em Agostinho, nem em Lutero, nem em Calvino."
Barth também soube detectar as influências que a doutrina da predestinação sofreu. "Portanto a doutrina da predestinação não é porventura a transfiguração religiosa do determinismo, nem tampouco mais especificamente aquela forma do mesmo, que deduz a partir da experiência religiosa. Pelo contrário: Ela nega tanto o determinismo quanto o indeterminismo. [...] Não se pode negar que a doutrina da predestinação, tanto a de Calvino quanto a de Lutero na época do "Servo Arbítrio" (de Zwínglio, então, nem se fala) sofreu muita influência do determinismo; isto trouxe conseqüências funestas, e precisamos ter a hombridade de não ir atrás deles neste ponto."
A predestinação depende exclusivamente de Deus. Não podemos elaborar uma doutrina que dependa das nossas percepções e vivências pessoais. Barth observou muito bem esta questão.
"A mesma coisa vale também no outro sentido: A eleição de Deus em graça não é objeto de experiência empírica. Era Calvino quem gostava de mencionar também a "experiência" como fonte da doutrina da predestinação, ao lado da Escritura."
A obediência absoluta à Bíblia levou Barth a trabalhar com uma única fonte: Jesus Cristo testemunhado pela Escritura.

2.1 DEUS-HOMEM / HOMEM-ELEITO
A teologia deve começar com Cristo. Mas não basta ter Cristo como ponto de partida. A reflexão teológica também deve ter Cristo como centro. Este procedimento também deve nortear a reflexão a respeito da predestinação.
Jesus Cristo é a Palavra que estava com o Pai e que se tornou ser humano (Jo 1:1-4). "Eleitos em Cristo - para entendê-lo, precisamos voltar primeiramente ao mistério central da mensagem cristã, qual seja a encarnação." (Barth) Os primeiros concílios da cristandade enfatizaram que Cristo é Deus-Homem.
A predestinação subentende que Deus é o sujeito, que elege e escolhe o ser humano. Na condição de Deus-Homem, Cristo é o Deus que escolhe o homem eleito. E Cristo também é o Homem-Eleito. O conceito Homem-Eleito é essencial e decisivo para a compreensão da predestinação. Mas este conceito não tem sido devidamente considerado pelos teólogos que antecederam Barth.
Jesus Cristo é o Homem-Eleito escolhido por Deus "antes de toda realidade criada, antes de todo ser e devir do tempo, antes do próprio tempo, na pré-temporal eternidade de Deus, a eterna decisão divina tem como objeto e conteúdo a existência deste específico ser, o homem Jesus de Nazaré, e a obra deste homem em sua vida e morte, sua humilhação e exaltação, sua obediência e mérito." (Barth)
Em resumo: Jesus Cristo é o Deus que elege e é, ao mesmo tempo, o Homem-Eleito!
A partir de Jesus Cristo foi destruída, cancelada e eliminada a doutrina tradicional do decretum absolutum - que formulava a existência de uma vontade secreta e não revelada da parte de Deus.
A eterna vontade de Deus é a eterna vontade revelada em Cristo. Ou nós nos relacionamos com o Deus revelado em Jesus Cristo, ou nós estamos lidando com um ídolo. Jesus Cristo foi revelado e não guardado em segredo. Jesus Cristo expulsou o decretum absolutum.
Barth observa que "em última análise, Calvino rasgou Deus e Jesus Cristo em duas entidades separadas."
Jesus Cristo é o Deus que elege. E é também o Deus conosco (Emanuel). Logo, o Deus que elege, posiciona-se a nosso favor - ele é por nós! Assim sendo, a vida e a morte de Jesus Cristo são a garantia de que nós somos eleitos!

2.2 A LIVRE GRAÇA DE DEUS.
Deus sempre teve como propósito manifestar a sua graça. A criação do universo e dos seres humanos já é manifestação da graça de Deus.
"Então: Deus é misericordioso mercê dessa sua eleição e em função desses seus eleitos, primeiro como criador dos seres humanos, e depois em Jesus Cristo, pelo Espírito Santo na obra da conciliação. Eleição em graça, predestinação, significa: A graça na graça. A graça na graça é, porém, a liberdade e o senhorio de Deus na graça. Na liberdade de Deus está fundamentada a realização (Vollzug) da graça."
E Barth prossegue, sempre enfatizando a livre graça de Deus, como obra de Jesus Cristo:
"Eleitos em Cristo evidentemente quer dizer em primeiro lugar: Não em nós mesmos. Foi Calvino quem com razão enfatizou isto. Afinal também a própria graça, nosso chamamento, nossa justificação e santificação não sucedem dentro de nós mesmos, não como obra nossa, mas para nós e em nós como obra de Jesus Cristo. Se, como vimos, a eleição é a graça dentro da graça, se ela é a força da graça como graça na liberdade e no senhorio de Deus, então isto evidentemente significa mais uma vez, e com tanto mais razão, que: o lugar, o fundamento e a fonte baseados nos quais estamos e vivemos na graça, não está dentro de nós mesmos."
A tradição teológica anterior a Barth declara que Jesus Cristo foi um dos eleitos. Barth corrige esta afirmação e enfatiza: Jesus Cristo é o eleito. Sua eleição é única e a eleição de todos os outros seres humanos é uma participação nesta eleição. Nós não somos escolhidos apenas mediante Cristo, como se a encarnação fosse um instrumento, mas nós somos escolhidos nele (Ef 1:4). A eleição de Cristo inclui a de todos nós.

2.3 O DESÍGNIO ETERNO DE DEUS.
Barth também se ocupou com o desígnio eterno de Deus. Também a respeito desta questão soube se expressar com muita clareza:
"Quando nós decidimos perante ela (a predestinação), então sempre já está decidido sobre nós mesmos: ?Desde o princípio? (2 Ts 2.13), inclusive ?antes da criação do mundo? (Ef 1,4), portanto antes de tomarmos conhecimento dela ou sequer necessitarmos dela, independentemente (e entenda-se bem: independentemente no próprio Deus) da concretização e de toda a formação pecaminosa ou justa de nossa existência."
Assim devemos entender a livre graça de Deus, que não se limitou a agir em resposta ao nosso pecado, mas de um modo livre e soberano decidiu se manifestar em Jesus Cristo, inclusive ?antes da criação do mundo?.
O desígnio eterno de Deus é nos predestinar para si em Jesus Cristo. Ao voltar a se referir a esta questão, Barth declarou: "Mas esta precedência está apontando é para Deus, e não para uma precedência temporal ou lógica. A precedência divina e a precedência do criador do céu e da terra nada tem a ver tampouco com uma precedência a ser deduzida com necessidade racional. Afinal de contas as prioridades lógicas e temporais não passam de prioridades intramundanas."
A livre graça de Deus não se encontra sob lei alguma. Deparamo-nos com Deus, que quer manifestar a sua própria vontade justa e misericordiosa.
"Neste ponto a doutrina clássica da predestinação, numa funesta conseqüência de outros erros seus, representava uma antropologização, mecanização e estabilização ilícitas da majestosa alternativa divina sob a qual estamos colocados em Jesus Cristo e cujo testemunho é o sentido da doutrina bíblica da predestinação." (Barth)
Deus é livre para amar, para escolher e chamar. Esta soberania de Deus jamais estará condicionada por algum decreto.

2.4 A DUPLA PREDESTINAÇÃO EM CRISTO.
A eleição de Cristo é o paradigma da nossa eleição. Calvino designou Jesus Cristo de "espelho da eleição". A eleição de Cristo nos faz refletir sobre três aspectos:

1. A eleição é pura graça. Foi a livre graça de Deus que moveu a Palavra eterna a tornar-se um ser humano. Também nós somos escolhidos unicamente pela graça. "Significa graça receber graça - este é o sentido geral e fundamental da doutrina da predestinação. [...] A graça é tudo isso. A graça: Isto é, o benefício livre e paternal no qual Deus nos acolhe e trata como filhos seus dentro do tempo e para a eternidade. [...] Sempre já é em si mesmo graça quando uma pessoa pode aceitar graça."

2. A eleição de Jesus Cristo aconteceu para o sofrimento e a morte (At 2:23). Aqui nós nos deparamos com o "lado sombrio" da predestinação. Na morte de Cristo desencadeou-se a ira de Deus contra o pecado, e assim ele sofreu a rejeição de Deus. Jesus Cristo assumiu o lugar do homem pecador, que tinha incorrido na rejeição de Deus. "...a ira de Deus...atinge o eleito de Deus que realmente é inocente e obediente." (Barth) Jesus ouviu o não de Deus. Isto significa que Deus escolheu o destino do ser humano para si mesmo. A rejeição divina é transferida sobre Cristo. "Não podemos reconhecer nossa eleição em Jesus Cristo sem reconhecer primeiro e antes de mais nada a nossa rejeição, e isto mais uma vez também n'Ele." (Barth) Deste modo, a eleição do Filho de Deus é também uma eleição para a reprovação, para a rejeição. Em Jesus Cristo ocorre a dupla predestinação de Deus. Aquele que deveria ouvir somente o sim de Deus, veio com a missão de ouvir o não de Deus. E a conseqüência disto é que o homem pecador não é rejeitado, mas aceito por Deus. "Olhando da perspectiva do eleito, eleição significa um ato de liberdade e senhorio; olhando para os eleitos, significa um ato de escolha e distinção. Não existe eleição se não houver também não-eleição, preterição, repúdio. Por esta razão a doutrina da predestinação forçosamente é doutrina da dupla predestinação." Mas sempre precisamos reconhecer que a graça de Deus não pode ser delimitada por nosso esquema de pensamento. "Eleitos estamos nós ao dizermos sim à nossa eleição em Jesus Cristo, e assim justamente ao dizermos sim também para a nossa rejeição, porém para nossa rejeição carregada e anulada por Jesus Cristo, e somente então sobretudo para a nossa eleição." A misericórdia e a graça de Deus devem nos atingir com tal intensidade, a ponto de reconhecermos que a nossa rejeição foi anulada em Cristo. Somente então podemos vivenciar o conforto de Deus. "Somente onde a vemos anulada é que a vemos realmente. Mas onde a vemos anulada, ali realmente a enxergamos, então não há como esquivar-se nem como levantar-se contra a decisão livre e, precisamente em sua liberdade, justa de Deus. Somente quem é confortado pela noção da eleição de Deus em graça é que conhece o terror do seu mistério. Mas não pode ser confortado pela idéia da eleição em graça sem o terror do seu mistério." Deixemos a graça de Deus agir livremente. Não desperdicemos nossas energias com especulações, procurando ver onde estaria o limite entre eleição e rejeição. "Nós, entretanto, precisamos ir além; não estamos autorizados nem mesmo a fazer a constatação genérica de que há eleitos e repudiados como duas classes distintas de pessoas. [...] Com isto estamos traçando limites ilícitos à graça, ao senhorio de Cristo." E Barth acrescenta, salientando a importância da morte vicária de Jesus Cristo: "A justificação do pecador em Jesus Cristo é o conteúdo da predestinação na medida em que predestinação é um Não e significa rejeição. Nesta dimensão também é eterna. Não pode ser cancelada ou retida. A rejeição não pode tornar-se outra vez porção ou negócio do homem. A substituição, que ocorreu no Gólgota, quando Deus escolheu para seu trono a cruz do malfeitor, quando o Filho de Deus sofreu o que o filho do homem deveria ter sofrido, ocorreu de uma vez por todas a substituição, em cumprimento da eterna vontade de Deus, e esta substituição não pode ser revertida. Não há condenação - literalmente nenhuma - para aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8:1)."
3. Em Jesus Cristo foi realizada a fidelidade.
Deus manifestou sua fidelidade ao ser humano. E Jesus Cristo cumpriu fielmente a vontade do Pai. Deus permanece junto a seu Filho em cada passo, mesmo em meio à radical rejeição. E a ressurreição é o pronunciamento inequívoco de Deus, que justifica e proclama sua escolha. Jesus confiou na fidelidade de Deus, até mesmo quando se deparou com a radical rejeição. A ressurreição é a justificação de sua fidelidade. A partir desta obra - vida, morte e ressurreição - crer em Jesus Cristo significa ser eleito nele. Confiar em Jesus Cristo significa ver nele a realização da fidelidade de Deus, expressando também a própria fidelidade para com Deus. Em Jesus Cristo está decidida a nossa eleição!
"...justamente no nascimento de Jesus Cristo, todos os que n'Ele crêem são renascidos como filhos de Deus por graça, criados e predeterminados (sem nada a preceder em termos humanos!) a exatamente isto: Que possam crer e, na fé, receber graça." (Barth)

2.5 JESUS CUMPRIU O DESÍGNIO DIVINO.
A vontade de Deus é aquela que está revelada no único Mediador. Jesus Cristo foi escolhido por causa da humanidade. A missão dele ultrapassou o seu destino pessoal. Ele sofreu a rejeição que a humanidade estava merecendo por causa do pecado.
Deus espera de nós um posicionamento de fé: a confiança de que a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo se constituem no cumprimento da eterna vontade de Deus e do propósito preordenado de Deus.
"Por sermos filhos seus desde a eternidade, ele nos aceita como tais dentro do tempo e para a eternidade, por isso ele nos trata como tais." (Barth)
Jesus Cristo cumpriu a vontade do Pai. Crer em Jesus Cristo significa estar em Cristo, ou seja, participar na realização de sua obra. Participar na crucificação e na ressurreição de Cristo, significa que a nossa rejeição foi realizada nele e é nele que nós estamos eleitos. E assim fica destruída a falsa subjetividade a respeito de uma vontade oculta de Deus. A vontade de Deus foi revelada em Jesus Cristo.
"E livrados do nosso pecado e da nossa morte, não mais pertencemos a nós mesmos, mas a ele, ao vencedor que se entregou a si mesmo por nós; e assim entramos, portanto, naquela vida determinada para nós, predeterminada desde a eternidade, tão certo como ele é o Filho eterno do Pai eterno; entramos naquela vida não em des-graça, mas em graça."
A nova vida em Cristo deve estar caracterizada pela confiança.
"Fé em Jesus Cristo significa confiar em que ele é vencedor. Confiança, porém, somente é confiança quando é confiança dotada de certeza. Porém a maior das certezas, mesmo do cristão, sempre é apenas certeza humana." (Barth)
Vivemos numa confiança em Deus, "como confiança que sempre de novo se afasta da autoconfiança."
A nossa confiança em Jesus Cristo nos leva a uma submissão e obediência. Ele é o Senhor de toda a criação e também de nossas vidas. É através de nossa obediência que nós testemunhamos o senhorio de Jesus Cristo.
"Essa confiança tem o seu apoio e recebe sua força completamente de fora de nós mesmos, da direita de Deus...[ ] Eleição em Jesus Cristo significa ser selecionado para a sujeição sob o senhorio daquele que por nós se entregou a si mesmo, para que não mais vivêssemos para nós mesmos, e sim para ele que morreu e ressurgiu por nós (2 Co 5.15). Eleição em Jesus Cristo significa santificação para Deus. [...] O que o conceito da eleição salienta é que a graça, não menos que a criação, sim, até em sua qualidade de mistério propriamente dito da criação, é senhorio de Deus."

2.6 DEUS AMA EM LIBERDADE!
Com esta reorganização teológica, Barth transformou a severidade e a melancolia da doutrina da predestinação em um jardim de alegria e luz! Barth nada acrescentou à doutrina; ele tão-somente seguiu coerentemente o seu enfoque cristocêntrico. No seu labor teológico, Barth deixou a Palavra de Deus falar!
Ouçamos mais uma vez o teólogo de Basiléia ao introduzir o capítulo Eleição / Predestinação em sua Dogmática Eclesiástica: "A doutrina da Eleição é a suma do Evangelho porque de todas as palavras que possam ser ouvidas e pronunciadas, esta é a melhor: que Deus elege o ser humano; que Deus é para o ser humano também Aquele Único que ama em liberdade. Tal doutrina está fundamentada no conhecimento de Jesus Cristo, porque ele é ao mesmo tempo o Deus que elege e o homem eleito, em Uma Pessoa. Faz parte da doutrina de Deus, porque a eleição divina em favor do ser humano é a predestinação, não apenas do homem, mas de si próprio. A função desta doutrina é dar testemunho da eterna, livre e imutável graça, como o começo de todos os caminhos e obras de Deus."

E assim o princípio cristológico é aplicado em toda dimensão teológica. A eleição está totalmente centrada em Cristo. Ela acontece somente em Cristo, que é também o sujeito que elege.
Deus elege o ser humano. Mas reservou para si mesmo a rejeição, a condenação e a morte.
Cristo é o único eleito e também o único ser humano rejeitado. Ocorre uma troca entre Deus e o ser humano.
Deus está conosco e nós estamos em suas mãos. A decisão, que Deus tomou "de uma vez por todas em Jesus Cristo, é a predeterminação da nossa vida". (Barth)
Ao reconhecermos que nossa eleição aconteceu em graça, devemos também viver em confiança no futuro que Deus propõe. Aquele que já atuou por nós antes dos tempos eternos, também estará conosco no futuro.
"... a graça é a graça de Deus, ato seu, obra sua, vontade sua e reino seu."
Nós precisamos cuidar para não descair da graça. Pois constantemente a graça vira desgraça em nossas mãos. Abusamos dela como se tivéssemos poder sobre ela. A certeza da eleição não deve se transformar numa falsa segurança. Nossa eleição precisa ser sempre de novo assegurada (2 Pd 1:10).
A eleição se torna evidente, se e quando colocamos a fé em prática.
Aqueles que pertencem a Cristo, estão protegidos do julgamento e da condenação. "Nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8:1).
Ao encontrarmos Deus em Cristo, nós estamos nos relacionando com Aquele que nos ama desde toda a eternidade!


BIBLIOGRAFIA

- PARKER, T. H. L. - Predestination, in A Dictionary of Christian Theology, London, SCM Press, 1969 - Adaptação e tradução feita pelo Rev. Claude Emmanuel Labrunie.
- BARTH, Karl - Dádiva e Louvor (Artigos Selecionados), Editora Sinodal, São Leopoldo-RS, 1986.
- TILLICH, Paul - Pensamiento Cristiano y Cultura en Occidente - De los orígenes a la Reforma, Editorial La Aurora, Buenos Aires, 1976.
- HEUSSI, Karl - Kompendium der Kirchengeschichte, J.C.B. Mohr, Tübingen, 1960, 12ª edição.
- TRILLHAAS, Wolfgang - Dogmatik, Walter de Gruyter, Berlin, 1972, 3ª edição.
- DELFSTRA, Gerrit - A Doutrina da Predestinação de Calvino até Armínio, Monografia apresentada para o Mestrado em Teologia, 1984.


PREDESTINAÇÃO - Resumo

* A Reforma elaborou uma teologia cristocêntrica.
A Bíblia deve ser interpretrada a partir de Cristo.

* Cristo é o ponto de partida,
mas também é o centro de toda a teologia.

* A Encarnação é o mistério central da mensagem cristã.
Cristo é pré-existente.

* Cristo: Deus-Homem e Homem-Eleito.

* Predestinação: Deus é o sujeito.
Nós somos eleitos em Cristo (Ef 1:4)
Nossa eleição está incluída na eleição de Cristo.
A eleição de Cristo é o paradigma da nossa eleição.

* Jesus Cristo é o Deus que elege
e é, ao mesmo tempo, o homem eleito!
Jesus: Deus conosco.

* Nós não estamos diante de uma vontade secreta de Deus,
mas diante da vontade revelada de Deus.

* O desígnio eterno de Deus.
Desde sempre Deus decidiu compartilhar a sua vida conosco
e nos predestinou para estarmos junto dele.

* A eleição é a manifestação da livre graça de Deus.

* A eleição de Jesus Cristo aconteceu para o sofrimento e a morte (At 2:23). Jesus veio para ouvir o não de Deus. Ele experimentou a rejeição em nosso lugar. Deus escolheu o destino do ser humano para si mesmo. Em Jesus ocorreu a dupla predestinação: ele foi eleito e foi rejeitado. Em Cristo vemos a nossa rejeição anulada.

* Em Jesus Cristo foi realizada a fidelidade.
Crer em Jesus significa ser eleito nele.
Em Jesus Cristo está decidida a nossa eleição.
Estar em Cristo significa participar na sua obra.

* O princípio cristológico é aplicado em toda dimensão.
Tudo foi realizado em Cristo.

* A missão de Jesus ultrapassou o seu destino pessoal.
A decisão, que Deus tomou "de uma vez por todas em Jesus Cristo,
é a predeterminação de nossa vida." (Barth)

* Ao reconhecermos nossa eleição em Cristo, também podemos
viver confiantes no futuro.
Devemos cuidar para não descair da graça.
"Nenhuma condenação há
para os que estão em Cristo Jesus." (Rm 8:1)

Fonte:Faculdade Unida

Um comentário:

  1. TENHO UM DESAFIO PARA VOCÊ E PARA OS IRMÃOS EVANGÉLICOS. AO VER NO SEU BLOG O TÓPICO "40 perguntas para os adventistas" resolvi responder uma por uma e ao concluir criar uma pergunta para os irmãos evangélicos. Com isso, chegaremos com toda certeza a afirmar quem segue a Biblia como ela manda. Te espero lá.

    http://vindeaosenhor.blogspot.com/2011/03/desafio-aos-irmaos-evangelicos.html

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