sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Autor: Esdras Bentho
Charge de Flamir Ambrósio.

“Em Hobbes, o racionalismo de Bacon se transformara em um ateísmo e materialismo inflexíveis; uma vez mais, nada iria existir, a não ser ‘átomos e o vazio’”, disseca Will Durant, concernente à ascensão do racionalismo e o nadir da crença em Deus.
Neste ensaio analisaremos o ateísmo, primeiramente, definindo o étimo e seu desdobramento nas Escrituras. A seguir, conceituaremos o ateísmo e faremos uma síntese do pensamento de quatro filósofos: Nietzsche, Marx, Sartre e Camus.
Definição
Etimologia: O vocábulo ateu é formado pelo prefixo grego de negação a (“não”, “provação”, “negação”) e pelo substantivo theos, isto é, “deus” ou “Deus”. Literalmente, atheos significa “sem Deus”. A palavra “ateísmo”, no entanto, é formada pelos dois termos anteriores e o sufixo “ismo” que denota “doutrina”, “sistema”, ou “ensino”. O ateu é aquele que não crê em Deus, enquanto o ateísmo designa a filosofia ou os ensinos dos ateus.
Novo Testamento: O termo aparece uma única vez no grego neotestamentário em Efésios 2.12: “que naquele tempo, estáveis sem Cristo [khōris Christou], separados da comunidade de Israel e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança e sem Deus [ắtheoi] no mundo”. (grifo nosso).
O termo grego ắtheoi, neste contexto, tem o sentido de “não pertencente a Deus”, “sem Deus”, em vez do significado corrente de negar racionalmente a existência de Deus, como o fazem os filósofos ateus. O tipo de ateísmo que este termo (que é um hapax legoumenon[1]) descreve é o denominado “ateísmo prático”, ou seja, aquele que vive como se Deus não existisse ou que a divindade não tem qualquer significado para ele, quer exista quer não. Neste sentido, pode até mesmo ser uma pessoa teísta, mas que não conhece o verdadeiro Deus: “Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele” (1 Co 8.5,6). Observe que ắtheoi no texto de Efésios, não pretende afirmar que a pessoa não crê em alguma divindade, mas que ignora a existência do Deus de Israel. É assim que devemos entender o advérbio de negação khōris, traduzido em diversas passagens por “separadamente”; “à parte de alguém”; “longe de alguém”. Literalmente a expressão khōris Christou, quer dizer “longe de Cristo”, “afastado de Cristo” e não antichristo, isto é, “contrário ou oposto a Cristo”.
O texto de Coríntios não deixa de ser menos revelador. Paulo reconhece que as nações pagãs possuem suas divindades nacionais, entretanto, há um só Deus. Veja que estas não são culpadas de ateísmo, mas politeísmo, por não crerem no único Deus verdadeiro. A própria expressão theoi polloi, isto é, “muitos deuses” formam a palavra “politeísmo” [polli-teos] (cf. 1 Co 8.5). Portanto, à luz de Efésios 2.12, “sem Deus”, ắtheoi, quer dizer “sem o verdadeiro Deus de Israel”.
Portanto, do ponto de vista histórico, o ateísmo em certas circunstâncias corresponde à rejeição de deuses privados ou de uma divindade em especial. É assim, por exemplo, que devemos entender a acusação de ateísmo contra Anaxágora e Sócrates. O primeiro condenado de ateísmo por afirmar que o sol era maior que o Peloponeso e, o segundo, por "corromper" os jovens e negligenciar os deuses durante uma cerimônia de adoração. Até mesmo os cristãos foram considerados ateus no Império Romano. No século II, Justino fez referência à acusação de ateísmo contra os cristãos. Em sua Primeira Apologia escrevera a respeito da turba colérica que gritava contra os cristãos “Morte aos ateus, morte aos sem-Deus”. Em resposta, o apologista sentenciou: “Somos ateus de todos os pretensos deuses”. Estas manifestações são consideradas como “pseudo-ateísmo”, uma vez que os envolvidos criam em alguma divindade, mas rejeitavam a forma grotesca, antropomórfica e pagã de certos cultos e religiões.
Antigo Testamento: Não há no Antigo Testamento um termo hebraico próprio para expressar o conceito de ateu à semelhança do grego neotestamentário. Em Salmos 14.1, o nābāl, isto é, “o louco”, “insensato” ou “ateu” é aquele que vive como se Deus não existisse (cf. Sl 53.1). Este é o louco que blasfema contra o Senhor (Sl 74.18). O povo de Israel também é definido como ‘am nābāl, isto é, “povo insensato ou ateu” em razão de não reconhecer os grandes benefícios proporcionados pelo Senhor Deus de Israel (Dt 32.6). Nestas referências, o termo hebraico nābāl designa, provavelmente, não alguém que está sinceramente convicto de que Deus não existe, mas que está mal orientado quanto à existência de Deus. O texto da Septuaginta – tradução grega do texto hebraico – verte o termo hebraico citado por ăphrōn, ou seja, “tolo”, “ignorante”. A expressão Oủk ĕstin Theos, isto é, “Não há Deus” denuncia o estado de completa ignorância e tolice de quem assim pensa e vive.
O ateísmo tanto prático quanto teórico é, segundo as Escrituras, a principal causa da corrupção e degeneração do homem (Sl 14; 53; Rm 1.18-32). O insensato que vive como se Deus não existisse ou que O confunde com a criação, possui um “coração insensato” (Rm 1.21). No original a expressão “coração insensato” (ăsynetos kardia), literalmente é “sem entendimento de coração”. Se considerarmos o termo kardia de acordo com idiomatismo hebraico, podemos afirmar que o ateu ou insensato é “aquele que vive sem o conhecimento de Deus”. E, pelo que se depreende de uma leitura atenciosa de Romanos 1.18-32, o ateu ou ignorante é aquele que não conhece o Deus único e verdadeiro. Vários termos empregados por Paulo se relacionam diretamente à falta de episteme ou conhecimento correto acerca de Deus. Vejamos:
v. 18: Apokalyptetai (Descoberto está)
v. 19: gnōston (que se pode conhecer); phaneron ( manifesto)
v. 20: nooumena (entendidas)
v.21: gnontes (tendo conhecido); dialogismois (cogitações);asunetos (sem entendimento)
v.22: sophoi (sábios); emōranthēsan ( se fez estulto)
v. 28: epignōsei (conhecimento sobre)
v. 31: asunetous ( sem entendimento)
v.32: epignotes (tendo conhecimento sobre)
Conceituação
O ateísmo é a doutrina filosófica que admite a não existência de Deus. Segundo o ateísta, não há qualquer prova relativa à realidade de Deus, pois as evidências pressupõem a não existência de qualquer divindade. Com o advento do racionalismo, os filósofos e humanistas seculares passaram a considerar o conhecimento religioso como uma espécie de conhecimento mítico, necessário à humanidade enquanto esta ainda estava em sua gênese. De acordo com a epistemologia, o conhecimento religioso cumpria uma função teleológica, isto é, das causas e dos fins. Como o homem primitivo não sabia explicar as causas dos fenômenos físicos, atribuía a essas manifestações da natureza causas metafísicas ou divinas. No entanto, com a ascensão da ciência e do conhecimento não há qualquer necessidade de Deus ou de divindades para explicar os fenômenos físicos ou a existência do universo.
Todavia, nesse princípio argumentativo há muito preconceito em relação ao que é ou não científico. Se entendermos como pré-científico todo o conhecimento anterior à ciência moderna, onde fica a matemática, a lógica, a filosofia? Deixaram de ser ciência com o advento da modernidade? Se pré-científico deve ser entendido como anticientífico, isto é, como mito ou mágica, é muito mais provável que a ciência tenha sua gênese nessas manifestações religiosas do que o cristianismo. Se o “poder místico ou mágico” se refere à manipular as forças da natureza por meio de fórmulas, rituais, plantas e palavras, isto não seria uma pré-manifestação do tecnicismo, por meio do qual tudo se transforma? Não se pode argumentar ad absurdum que o cristianismo compactua com a magia, uma vez que a tradição cristã sempre se opôs a esse tipo de religiosidade. No entanto, o cristianismo não apenas admite como também ensina a intervenção divina nas forças naturais do universo. Mas não se trata de manipulação por palavras mágicas, mas da ação soberana da vontade de Deus. Os cristãos também ensinam que toda a criação foi criada por Deus com um propósito específico; que Deus Criou e estabeleceu as leis físicas que os próprios cientistas investigam.
Como teoria do conhecimento, o ateísmo distingue-se do ceticismo, do agnosticismo e do teísmo. Vejamos:

O Cético: Duvido que Deus existe. Não tem certeza .
O Agnóstico: Não é possível saber se Deus existe. Não é possível saber .
O Ateu: Deus não existe. Está convicto.
O Teísta: Deus existe. Está convicto.

O Ateísmo e a Filosofia
A filosofia é uma das mais extraordinárias manifestações do conhecimento e da razão humana. No entanto, por várias vezes, recusou-se a admitir o verdadeiro conhecimento. Não há sabedoria e amor ao conhecimento quando se nega a existência de Deus. Célebres filósofos se equivocaram ao afirmar a não existência de Deus. Entre esses destacamos.
F. Nietzsche: Afirmou categoricamente que os deuses estão se decompondo e que Deus está morto.
Karl Marx: Escreveu que possuía ódio a todos os deuses e, que a religião é o ópio do povo.
J. Paul Sartre: Sentenciou que se Deus existe, o homem é um nada; se o homem existe, Deus não existe.
Albert Camus: Consolidou o conceito de Nietzsche de que Deus está morto, e que o filósofo não matou a Deus, mas o encontrou morto em seus contemporâneos.
Características do Ateísmo Moderno
O ateísmo moderno possui como principais características:
Anticristão: Não se opõe apenas as religiões, mas procura combater severamente o cristianismo. Para eles o Deus cristão é fraco e obsoleto.
Preconceituoso:Para o ateu moderno os cristãos são pessoas incultas, fracas e omissas aos problemas políticos e sociais.
Antidogmático: Rejeitam qualquer dogmatismo religioso. Não aceitam as doutrinas e valores cristãos. Considerando-os desnecessários e anacrônicos ao homem moderno.
Partidários: Muitos opositores do cristianismo e da moral cristã são partidários de grupos marxistas que ainda consideram o cristianismo como atraso à civilização em constante progresso.
Soli Deo Gloria!


[1] Hapax legoumenon, significa “dito ou escrito uma única vez”. Quando este termo é empregado quer dizer que o termo relacionado aparece apenas uma vez nas Escrituras. Para saber mais sobre hapax legoumenon, suas divisões e os métodos de interpretação relacionados, consulte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. 7. ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p.181-188.

6 comentários:

  1. Olá, Jean
    No texto diz:
    "No entanto, o cristianismo não apenas admite como também ensina a intervenção divina nas forças naturais do universo. Mas não se trata de manipulação por palavras mágicas, mas da ação soberana da vontade de Deus."

    Como devemos entender a tragédia atual no Rio, com os deslizamentos de terras e centenas de mortes. Foi intervenção de Deus Onipotente(pode tudo)e Onipresente (está em todo lugar) na natureza daquelas cidades?

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  2. Olá anonimo!

    Gostaria que informasse o seu nome no próximo comentário.

    Sim amado, Deus intervem na natureza leia> Josué 10.12-13; Isaías 38:8; 2 Reis 20:11; Mateus 8.23-27.

    Porém, é importante que você saiba que as catrastofes que acontecem a todos, está nos nossos próprios atos (Atos da Humanidade), e as vezes pessoas indagam: Se Deus é amor, por Ele deixa isso, ou aquilo etc...
    Veja o que a Bíblia diz:"De que se queixa, pois, o homem vivente? Queixe-se cada um dos seus pecados. Lamentações 3:39"

    Pois é meu amado, se o homem não agredisse tanta a natureza não aconteceria isso.

    Por isso que algumas coisas na natureza não é a intervensão de Deus, mas o pecado do homem contra a natureza.

    E para comprovar, o Rio é um exemplo e consequencia do pecado da humanidade contra a natureza.

    Oremos para que Deus de foça aquelas pessoas.

    Jean Patrik

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  3. Prezado Jean

    Agradeço o seu esclarecimento e
    "Por isso que algumas coisas na natureza não é a intervensão de Deus, mas o pecado do homem contra a natureza."
    CONCORDO quando se trata do homem agredir a natureza, edificando casas em encostas (por falta de opção) e sofrem com avalanches e deslizamentos de terra e tambem no caso secas provocadas pelo desmatamento, enfim.... Vulcões e terremotos,tambem são consequencias de agressões provocadas pelo homem à natureza.
    Mas no caso é pecado do homem sofrer punições de Deus? E as criançinhas inocentes que não tem pecado?
    Bem, não quero estender o assunto e sugiro uma Leitura do livro, por que sofremos, sobre as respostas que a Bíblia não dá ao sofrimento:

    "O problema com Deus" de Bart D. Erhmann

    Enviado por Oiced Mocam
    Obs:
    Deixo de citar o meu Blog,em respeito a seu site

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  4. Querido, fique a vontade para anunciar o seu blog.

    Bem, já que você me indicou um livro, quero também indicar uma para você muito bom também como esse que me indicou.

    "Não tenho fé suficiente para ser ateu"

    Um grande abraço!

    Jean Patrik

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  5. Graça&Paz!!
    Muito obrigado por seguir meu blog. Espero que o mesmo sirva de alguma forma de bênção e edificação.

    Deus o abençoe ricamente em Cristo Jesus. Abraços

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  6. Oi, Jean!

    Excelente post, embora não haja não há muito o que se comentar sobre ele, visto que não é necessariamente uma crítica ao ateísmo; e sim uma breve descrição sobre o que ele é.

    Como você sabe, através dos blogs nos quais eu comento, eu fui evangélico por muito tempo, mas acabei me tornando ateu.

    O que me levou a me convencer disso foi a falta de respostas convincentes, pelo menos para mim, para muitas dúvidas que eu tinha a respeito da existência de Deus e da minha crença nele.

    Como dois terços da minha vida (algumas primaveras) já haviam se passado sem que obtivesse as tão esperadas respostas, tomei a minha decisão.

    Quero parabenizá-lo pelo blog e, de coração, espero que que ele alcance os fins aos quais ele se destina.

    Um grande abraço,

    Milson.

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